Naquele dia estava frio. Estava um frio mortiço, apesar de gélido era suportável. Nas mãos nuas sentia o corte aquando a passagem do vento. Acontecia como quase sempre no sítio onde estava haver vento, e havia vento! O vento transformava o frio em cortante, navalhas voadoras, durante os breves instantes em que esse próprio vento, constava ser constante em aparições, aparecia e empurrava contra mim a sua pequena ira momentânea. Tinha ido ali sem uma qualquer razão aparente. Os mais crentes podem chamar-lhe destino mas eu chamo coincidências. Tinha descido o caminho tão bem por mim conhecido, em direcção ao meu objectivo, que naquele dia, por um mero acaso, não o era. Talvez tenha de ser mais crente para poder chamar de destino ao próprio destino. Talvez tenha de ser mais corajoso para poder faze-lo de ânimo leve! Naquela tarde, de voltas trocadas, viro costas aquilo que fui ali fazer e ao descer as escadas detenho-me com o vento a cortar as minhas mãos em vagas constantes.
Olho para ela pela primeira vez… a poucos degraus do fim da escadaria olho-a! Estava sentada numa cadeira cinza-azulada que jazem em um sem número por aqueles lados. Detenho-me a olhar fixamente para ela. De mãos entrelaçadas por cima das pernas olhava fixamente o sol a desvanecer no horizonte recortado por nuvens. As nuvens pareciam recortes feitos por uma criança, infantis e descuidados, lindos e puros como se um salpico divino polvilhasse aquele cenário com tons de amarelo e vermelho de esbranquiçados fiordes voadores.
Ela continuava a olhar aquele cenário maravilhosamente dantesco de belo. E eu… eu continuava a olhar para ela. Tão bonita e singela.
Sento-me no degrau por baixo de mim e olho para onde ela olha. Penso no destino e no caminho. Penso nela, ali sentada uns metros em altura de mim. Estava no pedestal. Naquele pequeno sitio onde nunca iria conseguir chegar. Olho-a mais uma vez. Desta vez ela olha-me de volta e sinto um arrepio que nenhum vento ou frio ou mais frio ainda me possa causar. A gélida sensação de um dia poder ser eu desvanece e faz o arrepio ser ainda mais estrondoso. Faz-me medo mas fico a olha-la directamente encarando-a e enfrentando todo o meu medo. Enfrento e toda a minha epiderme se enche de eletricidade estática suficiente para mover toda a natureza há minha volta. Talvez seja isso enfrentar o medo! Talvez seja assim que as pessoas ficam quando já não há mais nada a não ser o pânico e que nos leva a não nos mexer. E não me mexo. E continuo a enfrenta-lo, a enfrenta-la, no que foram certamente os 10 segundos mais longos da minha curta vida. Baixo a cabeça ainda na direcção dela como um sinal de reverência a uma rainha. Rodo a cabeça em direcção ao espetáculo, ao outro espetáculo que não ela. Talvez tenha sido nesse dia que fiquei triste e que percebi que teria de ficar triste por mais uns tempos para poder aperceber-me de que podia ficar triste sem ficar triste, talvez aí tenha percebido o quão fui feliz e o quão podia e posso continuar a ser feliz. Talvez. Fico até ser de noite sempre a olhar em frente sem ter de ter de a enfrentar mais. Com o breu da noite já por todo o lado levanto-me e sigo o meu caminho. Por fim, lanço o olhar para o sítio onde a rainha se encontrava… onde já não se encontrava mais. Terei imaginado tudo?