O homem, já de era idade, afundava-se no bando de jardim dia após dia. Sempre no mesmo banco olhava quem passava e ficava à escuta dos sons do jardim.
A sua volta diária era quase sempre a mesma. Saía de casa e virava à esquerda em direcção ao hotel.
O hotel era ainda mais velho que ele. Pintado de cor-de-rosa faz muitos anos, estava agora a cair em pedaços. Ao abandono era apenas frequêntado por agarrados em heroina tão sempre presentes na cidade. Aquele, em outrora tão belo hotel, caía mais em desgraça a cada dia que passava: "como os velhos..." pensava o homem. Nas traseiras do hotel, que viravam para casa deste personagem existiam três... talvez quatro palmeiras gigantescamente centenárias rodeadas de ervas daninhas quase da altura de um homem de pequena estatutra. Juro que em tempos vi lá uma raposa... Ou talvez um rato do tamanho de uma... prefiro pensar que era uma raposa...
Contornando a área do hotel quase até meio, junto aos muros improvisados, o homem seguia o seu caminho como habitualmente e no final do muro improvisado, começava um muro de pedra vermelho, situava-se, uma também, velha casa, também a cair, também no final desse muro de cor vermelha escura. Casa habitada, em alturas do dia, por futuros ébrios, "pertencia" a um clube de futebol. Em frente à casa, o homem atravessava a rua na passadeira já gasta e entrava no jardim.
Entrando por uma das inúmeras entradas principais, jardim que só quase tinha entradas principais, fazia sua primeira paragem junto aos campos de ténis apenas a ver os que jogavam, sem na realidade perceber nada do jogo em si. Olhava os miúdos que corriam para um lado e para o outro com as raquetas na mão... ficava ali. A olhar e a sentir o jardim. Juraria que se ali ficasse muito tempo poderia criar raízes.
Quando continuava o seu caminho detinha-se junto ao parque infantil. Em pé ficava a olhar os miúdos nos balouços... não sei o que pensava... não sou eu esse velho... mas se eu fosse esse velho, pensava na altura em que podia ser eu ali... nas alturas em que tinha estado em parques infantis a brincar nos balouços. A balouçar para cima e para baixo querendo apenas chegar ao céu com os meus pés esticados.
Pouco mais à frente encontrava se o pequeno lago. Havia, em alturas do ano, uns barcos neste lago. Todos os barcos tinha uma faixa de cor e todos tinha uma cor diferente. estavam atracados num pequeno cais onde se encontrava um senhor. Um senhor que guardava os barcos e as entradas dos inexperientes marujos e capitães. Era um homem de meia idade que, quase sempre, estava sentado na secretária na casa de apoio em frente ao pequeno cais. Trocava em alturas do dia palavras com o segurança do jardim. Esse tinha sempre um chapéu e uma farda impecavelmente limpa como se de um agente da autoridade se tratasse.... e era-o! Ali dentro do jardim, ele era a autoridade máxima...
Aqui o homem, sentava-se num banco, junto ao cais. Não junto à casa de apoio do lago mas sim num banco que se encontrava paralelamente junto ao cais. Quando esse banco se encontrava ocupado, seu poiso era o banco imediatamente ao lado. Os bancos eram compostos por duas tábuas de cor vermelha escura, em muitos casos, já se via o castanho da madeira nas tablas cruas e duras. Tinham uma estrutura trabalhada em preto que fazia a junção dessas duas tabuas. "qual é a ilha mais perto das caldas?" perguntava em tempos o homem... "a ilha do jardim!! " tem a sua certa razão visto que no meio do lago, estava um pedaço de terra rodeado de água por todos os lados. Isso se bem me lembro é a definição de ilha... Esse pedaço de terra era apenas usado pelos patos, cisnes e outros animais deste género que o parque tinha. Era o seu pequeno refúgio em que ninguém os importunaria. Como o jardim era para o homem. Sentado no banco junto ao lago, gastava o seu tempo. Usava-o apenas, usando-o sem qualquer pressa, mesmo sabendo que mais tarde ou mais cedo o tempo se iria esgotar e ser nada mais do que apenas outro tempo.
Os pombos acabavam por se juntar junto ao lago. Junto ao lago e em qualquer parte que pudessem. Este era um jardim cheiro de pombos... pertenci-lhes este espaço... conquistadores de milho ou pequenos pedaços de pão deixados no chão por ávidos alimentadores de pombos, defecadores de pequenos dejetos que, com toda a sorte, do mundo caíam por vezes em cima de pessoas. Estes eram uns dos donos deste jardim. O Homem, acabava sempre por seguir o seu caminho. O caminho rodeava o lago em quase toda a sua extensão. Ele seguia-o até um pequeno recanto de uma estrutura, outra, abandonada ao tempo e à sua mercê... Nesse recanto, encontrava-se um pequeno café... Talvez dos combates de guerra, ou dos bombeiros... Já se passaram tantos anos que não me lembro a que "organização" era aquele pequeno espaço. O homem bebia um copo de tinto trocando dois dedos de conversa com os conhecidos que ali paravam...
Nunca permanecia nesse espaço mais do que o tempo necessário para que o seu pequeno caminhar não se demorasse... Continuando a circundar o lago, caminha, sempre ao mesmo ritmo de cabeça baixa. A cabeça não estava realmente baixa de cabisbaixo. Estava baixa devido ao peso das suas costas. A corcunda acentuada pelos anos, fazia a sua cabeça sucumbir ao peso da idade. Elas curvavam-se devido aos anos e anos e devido à genética... seu irmão tem ainda uma mesma corcunda igual, como a do Homem.
Enquanto fazia a segunda parte do percurso, por vezes fumava. Um ou outro Português azul, do maço comprado de antemão, acompanhavam-o nesta viagem já de retorno. Saia do jardim pela porta virada à estátua... por uma saída principal. Tão principal como as entradas... E dirigia-se a casa por um caminho diferente do que ali tinha chegado. Não pela parte do hotel mas sim pela loja de bicicletas, com um ar desarrumado e com um cheiro intenso a óleo era dirigida por um senhor com quilos a mais para a sua estatura. Chegando a casa depois do passeio solitário, sentava-se no sofá em frente à televisão e ali ficava até ser noite. Dia após dia, estes passeios repetidos à solidão do tempo, repetidos à espera que esse tempo se transformasse em final de tempo.
Os passeios passaram a ser mais espaçados, em dias, depois em semanas até que apenas passaram a ser passeios do quarto para a sala e da sala para o quarto. De frente da televisão até ao quarto escuro durante as longas horas de escuridão. Até que por fim... confinado a uma cama... todas as viagens tinham agora acabado... quase nem ao WC conseguia ir sem ajuda. Por fim, na cama de casa, penso que pensava em outrora, nas viagens e no caminhar até ao jardim... Penso que pensava no jardim!
Por fim, o Velhote chegava ao seu fim!
sexta-feira, fevereiro 21, 2014
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