segunda-feira, fevereiro 10, 2014

inventem um título:

"Noite fora, as cenas passam umas depois das outras, o ar é cortante de tão quente que é. O ar não me deixa saborear o momento. Aquele momento, aquela noite deveria ser vivida como um todo e como a mais efeméride de todas as noites. inventem um título

Perco-me e reencontro-me para que possa continuar a percorrer a cidade, quero voltar aos cantos escuros que me mostraste em tempos. Esses cantos são hoje só mais recantos escuros. Em tempos, contigo, esses recantos eram passagens secretas e portais para uma realidade bem melhor do que a que nos encontrávamos. Hoje são só recantos escuros de uma cidade porca e sem vida.

Na altura, a cidade tinha vida. Tinha a vida que queria ver na vida da cidade… Porque via as coisas contigo. Acho que era isso. Era tudo tão mais bonito quando estavas ao meu lado. Minto ou propositadamente digo uma coisa que não é a verdade. As coisas não eram mais bonitas quando estavas ao meu lado. As coisas eram mais bonitas porque estavas ao meu lado. Ou porque talvez fosses o meu lado. O meu príncipe. O meu príncipe encantado que sempre me encantou, que me mostrava as portas para outro reino, aquele reino, com o seu cavalo encantado. Só me queria encantar ainda mais do que me já tinha encantado anteriormente esse meu príncipe. Queria e levar-me ao céu, através das estrelas pelas passagens secretas que só ele conhecia e que hoje eram cantos, eram cantos escuros da cidade porca e sem vida.

Estava sentada na cadeira do jardim da casa do meu irmão… estava frio! Já era de noite e sabia que ele não estava. Aproveitei-me de saber isso para me poder aproveitar do jardim dele. Ele tinha um jardim grande, bom, com relva e uns bancos de madeira, rentes ao chão, com umas almofadas bastante confortáveis. Tinha uma lareira no jardim junto aos bancos. Perguntei-lhe em tempos, “porque raio alguém tem uma lareira no jardim?” solta um suspiro e mete me a mão na cabeça e diz “um dia vais perceber maninha!”."

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"um dia vais perceber maninha!" mal sabia que seria naquele mesmo dia em que perceberia. Era uma noite fria, gelada, mas o céu limpo fazia adivinhar a Via Láctea. Oríon seguro sorria para mim, e do outro lado Cassiopeia esplendorosa brilhava.

Não era só a cidade que tinha vida. Os recantos mais inabitados tinham vida contigo. Tu mostraste-me estrelas, estrelas cadentes, nunca tinha visto nenhuma senão contigo. E a primeira que vi, pedi-lhe um desejo! Que nunca nos separássemos! Era uma noite de Primavera, Outono talvez. Verão não era com certeza. E estrelas brilhavam como ondas rebentavam na praia.

Percorremos a cidade, ruas desertas, percorremos o deserto sempre em busca de algo mais. Algo mais que a felicidade momentânea de amantes que não sabiam o que esperar do dia seguinte, a não ser encontrarem-se novamente.  Era a única certeza que o amor nos dava.

Até que um dia, tudo o que restou foi aquela lareira no jardim. Ateei fogo como quem ateia paixão, sabia que podia ficar ali o tempo que quisesse. Até o fogo morrer. Dali podia observar todas as constelações e tentara prever o que elas tinham previsto para mim. Esse mundo desconhecido para além das fronteiras terrestres observava-me e eu sentira-me pequena, comparada com a tamanha imensidão do infinito. Eu senti-me como um ínfimo grão de areia, desprovido de poder, de vontade, de força de vontade. Apática. Eu simplesmente estava ali. Ao calor da lareira no chão.

E pedi forte à ordem universal que não me deixasse perder na sua imensidão.”

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